As crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos
As chamadas birras e outros comportamentos considerados negativos assumidos pelos mais novos são uma permanente fonte de inquietação designadamente para pais e objeto de recorrentes pedidos de ajuda.
Também neste contexto é muito frequente que, quando se verificam ou se comentam alguns comportamentos das crianças, sobretudo “birras” ou a imposição de desejos ou vontades aos adultos, em regra aos pais, surjam explicações como “é dos mimos”. Acontece que “mimo” é entendido quase como sinónimo de “afeto”, “amor”, “gostar”, etc.
Tal justificação costuma servir depois para se afirmar a ideia de que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as “estragam”, dito de outra maneira, têm “afeto” a mais ou ainda “gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.
De uma forma geral, as crianças não terão afeto a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afeto”. É essa falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, oprime, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a perceção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação saudável, protetora e promotora da autonomia das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos a mais”.
Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
Esta dificuldade dos pais em oferecer os “nãos” às crianças e adolescentes decorre, em muitas situações, de algum desconforto culpabilizante sentido com as circunstâncias e estilos de vida que inibem o tempo e a disponibilidade que desejariam ter para os filhos. Dito de outra maneira, não querem perturbar o pouco tempo que estão juntos com o “não” e a eventual reação negativa da criança.
Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de mostrar afeto sem que se sintam a dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho, para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói … o destino.
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